Oportunidade

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Ministério Público velando pelos direitos dos acusados

DO BLOG PROMOTOR DE JUSTIÇA

NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, via de seus Promotores de Justiça infra assinados, no uso de suas atribuições legais, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento na Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e no art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75, de 20 de Maio de 1993, que autoriza este Parquet a “expedir recomendações, visando a melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover (...)”, para expor e recomendar o que se segue:
(1) Como é público e notório, existem, já há vários anos, e não apenas no Estado de Mato Grosso, é bem verdade, uma série de programas televisivos que fazem a cobertura do noticiário policial.
(2) A visualização dos programas de televisão, mencionados, páginas jornais e de sítios da internet mostra que as pessoas que são detidas pelas polícias civil e militar em virtude de ocorrências registradas nessas repartições estaduais são completamente expostas pelos agentes do Estado, em conduta claramente violadora dos direitos constitucionais mais básicos.
(3) O que se verifica é que, em – quase - todas as matérias veiculadas, as pessoas presas são exibidas, algemadas, para as câmeras, sendo que na maior parte dos casos elas, mesmo na situação de sujeição em que se encontra, são constrangidas a dar entrevistas aos repórteres, sem qualquer possibilidade real de exercerem o direito de defesa de sua imagem, intimidade, honra e livre-arbítrio.
(4) Assistindo-se os referidos programas, verifica-se que mesmo quando o acusado de crime não está mais disponível na delegacia, é simplesmente fornecido seu retrato constante dos arquivos da própria polícia.
(5) Neste ponto, é preciso dizer que não se pode imputar responsabilidade por essa exposição indevida de cidadãos presos à mídia ou aos jornalistas envolvidos; estes, no desempenho de seu trabalho, especialmente quando se trata da mídia televisiva estão no seu papel de conseguir o maior número de declarações e imagens (da qual a mídia televisa depende integralmente) que puderem conseguir.
(6) A conduta violadora dos direitos dos cidadãos, a qual é demonstrada nos programas televisivos mencionados é de responsabilidade dos próprios agentes públicos envolvidos, porque são estes – e não os jornalistas – que tem o dever funcional de salvaguardar o direito dos cidadãos, especialmente os que estiverem sob sua custódia.
(7) É preciso lembrar que o cidadão que está preso, inocente ou culpado, está ali apenas sob coação, ainda que regularmente utilizada por agentes do Estado; assim sendo, nessa condição ele não se encontra livre para exercer a sua vontade; não pode impedir que câmeras o filmem; não pode impedir as perguntas feitas pelos microfones de estranhos.
(8) Talvez alguns possam considerar como “normais” os atos praticados pelas autoridades policiais que de forma deliberada franqueiam o acesso de câmeras e imagens em relação a pessoas da qual foi tirado o poder de livre locomoção e ação; entretanto, pois mais que essas cenas sejam comuns e tenham se repetido ao longo dos anos, tal quadro não deixa de ser menos triste, pois são seres humanos que serão exibidos, por milhares de aparelhos, lares e escritórios como bandidos – sem qualquer julgamento, ao menos pelo poder judiciário.
(9) É preciso lembrar que as pessoas que são exibidas em virtude da permissão nesse sentido dada pelas autoridades policiais têm pais, filhos, irmãos, amigos e a cada um destes é transmitida a infâmia que advém da exibição da imagem de um de seus próximos, não sendo, portanto, apenas uma situação que interessa unicamente aos que foram presos.
(10) O pior é que a exibição das pessoas presas e exibidas em veículo de divulgação de massa, não é igual para todos os que são presos; aos que pertencem ao “andar de cima” o tratamento normalmente é diverso, o que torna ainda mais cruel a situação em pauta.
(11) Portanto, o que se demonstra através dos fatos aqui narrados é que ocorre, já de há muito, uma sistemática conduta de violação dos direitos das pessoas detidas pelas autoridades policiais do Estado de Mato Grosso, consistente na permissão indevida a programas televisivos de captar imagens e entrevistas de pessoas sob sua custódia em condições tais que as mesmas não têm a mínima condição real de negar esse acesso.
(12) Neste passo, é importante deixar claro desde já que a presente ação não envolve qualquer tentativa, nem sequer oblíqua, de censura à difusão de notícias; não se pretende impedir que se noticie as ocorrências policiais, nem que os próprios agentes policiais, se assim o desejarem, concedam entrevista para relatar suas diligências.
(13) O objeto desta notificação se circunscreve apenas e tão somente para que seja proibido que os agentes policiais (civis ou militares) do Estado de Mato Grosso sejam proibidos de conceder acesso de filmagens e entrevistas a todo e qualquer pessoa que seja por eles detida, preservando-se assim a sua imagem, intimidade, honra própria e de terceiros, havendo a divulgação das imagens apenas em situações de real interesse público, como a veiculação de retratos falados, de retratos de foragidos da Justiça (com ordem de prisão decretada), bem como das imagens de presos nos casos em que a divulgação de sua imagem for necessária (com a devida fundamentação pela autoridade policial nos autos do inquérito) para se fazer a chamamento de eventuais vítimas e/ou testemunhas (casos de violência sexual, roubos, dentre outros).
(14) Devemos lembrar que se a preservação da imagem do cidadão pela autoridade pública é a regra, a exceção deve ser decidida de forma discricionária, fundamentada e expressa pela autoridade policial responsável pela investigação, para efeitos de controle de legalidade da decisão e para apuração de eventuais abusos.
(15) Mesmo nos casos em que a imagem do cidadão for divulgada, esta deve ser feita através das fotografias e vídeos oficiais feitos pela própria autoridade pública, permitindo assim a padronização da imagem veiculada, visando a sua maior eficiência para fins de reconhecimento.
(16) Como se sabe, a Constituição da República prescreve, em seu artigo 5º um rol bastante abrangente de direitos fundamentais. Entre eles, podemos destacar os seguintes incisos:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
(17) Não é preciso muito para demonstrar que o acesso indevido de câmeras e microfones a pessoas detidas pelas autoridades policiais fere, sem sombra de dúvida, todos os direitos acima mencionados, pois ninguém é obrigado por lei a suportar ser exibido, algemado, como se fosse um troféu por uma caçada bem sucedida.
(18) Ninguém poderá negar que a exibição de pessoas, algemadas, perante terceiros, em veiculação dirigida ao público se constitui em situação degradante, pelo menos de acordo com a definição para o termo “degradação” que lhe empresta o vernáculo: “Aviltamento, rebaixamento, abjeção” (in “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” - “Dicionário Aurélio” - ed. Nova Fronteira, 1ª ed., 15ª reimpressão, p. 427, coluna central).
(19) Resta evidente que o acesso de câmeras e microfones a detidos devidamente algemados e sob constrangimento da autoridade policial, a ser publicamente veiculado fere os direitos de imagem, intimidade e honra dos referidos presos e de seus próximos.
(20) É também evidente, a partir, do exame dos programas juntados aos autos, que a conduta indevida dos agentes do Estado em estabelecer rotinas de exibição da imagem dos presos, devidamente algemados, fere a integridade moral dos mesmos, bem como fere o direito à presunção à inocência, pois, a partir das imagens veiculadas, se pode fazer toda a sorte de comentários, atribuindo-se culpa formada a pessoas meramente suspeitas, como se verifica dos programas televisivos acima mencionados.
(21) E mais. Os agentes responsáveis pela exibição e acesso aos presos não são os mesmos responsáveis por sua acusação e julgamento; assim, se alguma das pessoas indevidamente exibidas for considerada inocente, seja pelo não oferecimento da denúncia, seja pela prolação de sentença absolutória, não é realizada, pelos mesmos policiais, a devida divulgação desse fato para os programas televisivos em tela, de modo que para efeitos de comunicação de massa o que permanece no imaginário popular é a prisão, não a inocência, com toda a carga de infâmia e irreversibilidade que isso implica.
(22) Chama-se a atenção para o fato de que os presos indevidamente exibidos pelas autoridades policiais do Estado de Mato Grosso não estão aparentemente, assistidos por advogado e, portanto, não têm qualquer forma de se negarem a prestar entrevistas e serem exibidos à imprensa.
(23) O proceder de agentes policiais do Estado de Mato Grosso de permitir livre acesso das pessoas sob sua custódia, para imagens e entrevistas realizadas sob constrangimento evidente das pessoas atingidas, fere ainda o princípio da moralidade administrativa, na forma estabelecida pelo art. 37 da Constituição Federal, eis que se trata de prática sistemática e disseminada que fere diretamente direitos dos presos e de seus familiares, vizinhos e amigos.
(24) Existe ainda o risco de dano ao erário decorrente diretamente do procedimento indevido de agentes do Estado, na forma descrita neste feito.
(25) Tal fato decorre que o acesso indevido, realizado pelos agentes públicos, de possibilitar imagens e microfones nas pessoas detidas, algemadas ou não podem ser – como já são – objeto de ações judiciais contra o Poder Público, o qual, lembre-se, responde objetivamente por atos violadores dos direitos dos cidadãos.
(26) Esses processos, por sua vez, desaguam em condenações que devem ser suportadas pelo orçamento público; mesmo quando as ações possam ser improcedentes, já se gasta dinheiro pelo simples custeio da demanda e do tempo da procuradoria do Estado.
(27) Os danos morais causados aos detidos com a imagem difundida – bem como a de suas famílias – é virtualmente irrecuperável, assim como também o é o custo que o Estado terá para fazer face aos processos judiciais que dele advirão.
(28) Assim sendo, faz-se necessária a atuação da autoridade responsável pela condução administrativa dos órgãos de segurança pública a elaboração, nos âmbitos das policias civil e militar, de normas administrativas adequadas que os mesmos preservem a imagem das pessoas que eventualmente detiverem ao longo do tempo de tramitação do processo, abstendo-se de exibi-las à imprensa, bem como mantendo-as em dependências reservadas de suas repartições, de modo a impedir que a imagem das mesmas sejam veiculadas, bem como ordenando a punição dos responsáveis por eventuais descumprimentos da ordem judicial em tela.
(29) Deverá ser feita exceção apenas à veiculação de retratos falados, imagens de foragidos da Justiça, com ordem de prisão decretada, bem como da necessidade, devidamente fundamentada pela autoridade policial nos autos de inquérito, de divulgar retratos para a convocação de eventuais vítimas e testemunhas dos delitos por ele eventualmente praticados, situações nas quais existe interesse público legítimo na divulgação de suas feições, sempre se utilizando nas veiculações a imagem oficial do preso feita pelos próprios agentes públicos em questão.
(30) Por tudo o que foi exposto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso NOTIFICA e RECOMENDA ao Excelentíssimo Senhor Doutor Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, DIÓGENES CURADO, para que, no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, adote as providências administrativas necessárias para:
A - que edite normas administrativas que obriguem todos os agentes policiais civis e militares que estejam sob sua égide administrativa a se absterem de apresentar à imprensa, pessoas que estejam sob sua custódia, bem como de manter essas pessoas em ambientes reservados dentro das respectivas repartições policiais, impedindo que as mesmas sejam filmadas ou fotografadas, bem como se abstendo ainda de apresentar a qualquer veículo de imprensa fotografias ou imagens dos presos feitas pelas próprias autoridade policiais, excepcionando-se apenas a divulgação de retratos falados, divulgação de imagens de pessoas foragidas da Justiça e a necessidade, devidamente fundamentada por escrito, pelo delegado condutor do inquérito policial, de divulgar, sempre se utilizando de fotografia oficial, a imagem do detido para se fazer a convocação pública de eventuais testemunhas ou vítimas de delitos que a ele possam ser imputados;
B - Que as referidas normas administrativas advirtam expressamente que o descumprimento que a exposição indevida da imagem dos detidos irá importar na abertura de processo administrativo e na aplicação das sanções legais cabíveis, inclusive responsabilidades civil e penal eventualmente cabíveis;
C - Que o descumprimento dos termos da presente notificação implicará na propositura das medidas judiciais cabíveis à espécie;
Solicita-se a Vossa Excelência, por fim, a apresentar, no prazo de 60 (sessenta) dias, resposta por escrito dos termos desta recomendação.
Temos em que se pede deferimento.

Cuiabá, 22 de maio de 2009.

ALEXANDRE DE MATOS GUEDES
ELISAMARA VODONOS PORTELA
MIGUEL SLHESSARENKO JUNIOR
FÂNIA H. O. AMORIM
EZEQUIEL BORGES DE CAMPOS
MARCIA BORGES CAMPOS FURLAN
ANTÔNIO SÉRGIO CORDEIRO PIEDADE
WAGNER CEZAR FACHONE
Promotores de Justiça
Obs.: A recomendação foi acatada pela SEJUSP (notificada), via Portaria nº118/2009, publicada no dia 24/06/09.

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