Oportunidade

terça-feira, 16 de junho de 2009

Índio Aviador

Num dia, numa conversa animada, disse ao piloto de avião Marcos Terena que sua história tinha de ser escrita. Então, sorriu-me e observou que ela de nada serviria para pessoas já envolvidas com a questão indígena ou com uma opinião formada sobre o assunto. Ele acreditava que seria mais importante dirigir-se aos jovens, pois desejava conquistar leitores das novas gerações. Aqueles ainda sem preconceitos, que podiam enxergá-lo como índio apesar de estar vestido e a falar como um "branco". Tinha razão. Afinal, essa tal conversa rolara há 17 anos.
Amanhã... Sim, amanhã haverá o VIº Encontro de Autores Indígenas. Aqui, no Rio de Janeiro, incluído na programação do 11º Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens, que está acontecendo desde quarta-feira passada e vai até domingo. Marcos Terena, agora diretor do Memorial dos Povos Indígenas do Distrito Federal, será um dos palestrantes da mesa "Caminhos da Memória", que tratará de oralidade, literatura e arte. Deverão estar presentes índios professores, artistas plásticos... E Daniel Munduruku, escritor de sucesso entre a garotada das escolas que adotam seus livros.
Conheci Marcos em 1980, em Kretire, no sul do Pará, quando os txucarramães atacaram e mataram a bordunadas um grupo de peões que derrubava árvores em sua área territorial. Estava lá fazendo a cobertura jornalística daquela "guerra no Xingu". E, de repente, me surpreendi com um jovem índio pilotando um avião da Funai. Corri atrás de sua história e fiquei sabendo que aquele piloto era sempre escalado para vôos conflituosos. Ou seja, os de maior perigo. Ah, ele tinha nascido em 1954, numa aldeia no Mato Grosso do Sul, de onde saíra criança para estudar.
E que após concluir o curso científico fora aprovado nos exames intelectuais, físicos e psicológicos da Força Aérea Brasileira. Sonhara voar bem mais alto. Mas ao afirmar que não era "japonês" e sim um índio ao seu instrutor na FAB, foi informado que teria de se emancipar. Como assim? Ao chegar em Brasília, conheceu a Funai e descobriu que era "tutelado", que para continuar na FAB precisaria renegar sua "condição de índio". Daí resolveu estudar tudo sobre as leis brasileiras que diziam respeito aos indígenas e preferiu retornar às suas origens, mas não como um "coitadinho". Passou a explicar as tais leis para os grandes chefes indígenas da época, que lhe falavam de guerras pelo domínio e demarcação de suas terras. Sem abandonar sua própria luta particular, que acabou vencendo: o Ministério da Aeronáutica deu o parecer favorável ao seu brevê.
O fato é que Marcos era considerado um "índio subversivo da ordem e dos costumes". Ele dava nó na cabeça não somente de seus "tutores" da Funai, mas dos missionários e "ongueiros" militantes da causa indígena que gostavam de conduzir ideologicamente ou politicamente os índios. Marcos pensava por ele mesmo. Entendia a política, a economia do país. Não se deixava conduzir porque visualizava o todo. Tinha sua própria estratégia. Afinal, sabia que a turma que se infiltrava entre os índios induzindo-os ao conflito, na hora da briga, não ficavam na linha de frente. Aí decidiu criar o primeiro movimento puramente indígena do Brasil: a União das Nações Indígenas (UNIND).
E por que discorrer sobre tudo isso? Talvez pelo momento equivocado que estamos vivendo de movimentos que parecem confundir diversidade com fragmentação. E aí, vale lembrar da sabedoria do "velho" Marcos Terena com suas mensagens oportunas. Ele defende, por exemplo, uma nova relação de respeito mútuo entre brasileiros de todas as etnias e origens. Que passa pelos currículos escolares, pela maneira dos professores debaterem com a juventude a história indígena na história do Brasil.
Marcos e eu escrevemos um livro infanto-juvenil a quatro mãos: "O índio aviador" (editora Moderna), publicado em 1994. É ficção, porém inspirado na vida extraordinária de Marcos Terena. O único índio a discursar na ONU durante a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em nome das organizações indígenas dos cinco continentes. Acompanhei tudo de perto, num tempo de gente acreditando ainda que ecologia era coisa de maluco e que índio só queria apito...

Ateneia Feijó é jornalista e escritora. Trabalhou nos principais jornais e revistas do país - entre eles a extinta Manchete, o Jornal do Brasil e o Correio Braziliense

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