Oportunidade

terça-feira, 21 de abril de 2009

As criancinhas do Pelé

Em: 14/12/2005

Estamos vivendo tempos interessantes, conforme a maldição de Confúcio.Excessivamente interessantes, diria, diante do que nos espera nos fronts interno e externo, para usar uma linguagem de guerra, apropriada para os momentos atuais.
Pois estamos em guerra também no plano interno, e por enquanto é apenas um dos lados, o dos narcotraficantes, que está organizado e tem objetivos definidos.
O nosso lado, o da sociedade acuada pelo terrorismo, fica paralisado por constrangimentos morais e culturais, à mercê da bandidagem solta pelas ruas.Constrangimentos que existem só no nosso imaginário, como se fosse impossível fazer repressão ao crime em uma democracia, dentro do respeito à lei e aos direitos humanos.
Fui, esta semana, assistir a uma exibição do filme "O homem do ano", dirigido por José Henrique Fonseca, baseado no livro de Patrícia Mello "O matador", que será lançado brevemente no circuito. Saí da sessão com a mesma sensação de quando vi "Cidade de Deus", embora o filme do José Henrique não seja tão explicitamente violento. É simplesmente violento, como a sociedade que retrata tão bem. Uma sensação de perda, de culpa, de frustração. Num e noutro filme vê-se quanto tempo perdemos sem olhar à nossa volta, sem a solidariedade comunitária que era exigida de nós.
Há quase 35 anos, quando Pelé fez o milésimo gol no Maracanã e pediu para que cuidássemos de nossas criancinhas, foi taxado de demagogo. Esperava-se uma declaração mais politizada do maior ídolo nacional, contra a ditadura militar. E, no entanto, mesmo sem querer, Pelé estava tendo uma atitude política das mais relevantes. Como antevia jogadas, Pelé antevia também os problemas que estávamos criando. Só nós, a maioria da sociedade, não sabíamos, ou fingíamos não saber, que nossos problemas estavam, já naquela época, zanzando pelas ruas das cidades brasileiras, sem apoio, sem futuro, sem perspectivas de vida. Quantas gerações perdemos de lá para cá, simplesmente por falta de educação, até que o tráfico fincasse suas raízes por aqui, se alimentando dessa força de trabalho que deixamos fenecer nas ruas, nas favelas, abandonadas à própria sorte, numa sociedade onde vencer na vida com o suor do próprio rosto é cada vez menos possível para a maioria?
Especialmente aqui no Rio de Janeiro, como os dois filmes acima citados tão bem retratam, deixamos que os pequenos delitos façam parte de nosso dia-a-dia, aceitamos conviver socialmente com corruptos e bandidos dos mais variados calibres, na presunção de que nós, cariocas, como na canção, somos bacanas, somos espertos, temos uma maneira cool de viver a vida.
Só mesmo quando essa desgraça começou a nos atingir diretamente, nos grandes centros urbanos; só mesmo depois que tivemos nossos parentes e amigos seqüestrados e tivemos que nos trancar em nossas casas atrás de grades, é que despertamos para o problema que havíamos criado. Passamos a nos mobilizar, com a consciência pesada, em passeatas e em ONGs, para tentar recuperar o tempo perdido. E, com pelo menos meio século de atraso, passamos a dar mais atenção à educação.
Mas o mal está feito e já mudou de patamar, diante da nossa impotência. Os sucessivos governos do país viram o problema crescer sem dar a ele a devida importância, na vã esperança que fosse uma questão restrita ao Rio de Janeiro. E os sucessivos governos estaduais, nos últimos vinte anos, empurraram o problema com a barriga, ora apertando a repressão, ora fazendo acordos espúrios, sem nunca ir ao âmago da questão. E agora temos o narcoterrorismo atuando organizadamente em vários pontos do país, afrontando o estado de direito, colocando em risco a democracia, diante de um Estado completamente desaparelhado, legal e fisicamente.
O atual governo prometia uma ação forte no combate ao banditismo, mas criou vários ministérios inócuos e cargos variados para abrigar correligionários derrotados e desistas de diversos calibres, sem ter nem mesmo um gesto marqueteiro para fingir que se preocupava com o assunto. Agora, depois de literalmente a casa arrombada, começa a se mobilizar, mas muito timidamente.Se bem que a transferência de Fernandinho Beira-Mar para o presídio de Presidente Bernardes tenha sido um avanço em relação ao governo anterior.
Não é possível um combate efetivo ao narcotráfico sem que se crie uma entidade nacional responsável pelas ações coordenadas das diversas polícias estaduais e dos diversos órgãos federais responsáveis pela segurança pública. Não é possível, no estágio a que chegamos, que suscetibilidades regionais ou idiossincrasias políticas se coloquem acima do bem comum.
O ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, falava, antes da posse do novo governo, na figura de um czar do combate ao crime organizado no país, e dizia, com brilho nos olhos, que desejaria ocupar esse cargo, que sabe ser vital para que o país possa se desenvolver. É impossível que o próprio Dirceu, básico para a coordenação política do governo, assuma o papel. Mas alguém, com capacidade operacional e a verdadeira dimensão do problema, terá que assumir essa cruzada.
Breve veremos os índices de criminalidade influindo nos índices econômicos, e o risco-Brasil ser medido, também, pela capacidade de o governo controlar essa situação. Se, ainda em um estágio incipiente da atuação do narcoterrorismo , temos um índice de risco maior que o da Colômbia, imaginem se essa praga se disseminar entre nós.
Assim como antevia jogadas, Pelé antevia também os problemas que estávamos criando.

Fonte:http://www.avozdocidadao.com.br/detailArtigo.asp?ID=41&SM=6&pagina=

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