E a criança como fica?
Por: Em: 16/3/2009
Inspirado pelo debate levado em nível internacional sobre a guarda de uma criança resolvi lançar um novo livro. Embora esse debate tenha extrapolado os limites respeitosos de um processo sigiloso que deveria respeitar o direito à privacidade de uma criança que sofreu e continua sofrendo várias perdas em seu curto espaço de vida, alegra-nos que o direito da criança tenha ocupado espaço nobre na mídia nacional e internacional. O objetivo é reunir várias crônicas sobre o tema visando mostrar as dificuldades de um juiz da infância e da juventude para fazer respeitar normas internacionais e nacionais numa sociedade que não está habituada a reconhecer na criança o sujeito de direitos que ela passou a ocupar com a Carta da República de 1988. O primeiro livro “Da infância perdida à criança cidadã”, editada em 1998 pela Lúmen Júris narrava através dos artigos publicados em vários veículos de comunicação as primeiras experiências de um juiz da infância e da juventude nos primórdios da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma experiência das mais gratificantes, eis que ao entrar em vigor a Lei 8069/90 foi bombardeada por críticas advindas dos mais variados segmentos conservadores da sociedade que não desejava a implementação de uma lei que veio assegurar a entrada do Brasil no rol das nações civilizadas ao erigir o último segmento de nacionais à categoria de sujeitos de direitos. Ora num país marcado pelas mais cruéis diferenças sociais e econômicas, priorizar no texto constitucional a igualdade de tratamento entre crianças das mais variadas classes sociais, étnicas e religiosas soava para as elites como uma heresia. Imagina assegurar direitos iguais a uma criança bem nascida economicamente e uma que vive nas ruas era inaceitável. Logo vieram as críticas e menosprezo ao texto legal, seja por parte da mídia dominada e dominadora, cuja parcela montou uma campanha visando desmontar a doutrina da proteção integral, seja por parte de intelectuais e acadêmicos que passaram antes mesmo de sua efetivação plena, o que não ocorreu até hoje, já apontava centenas de defeitos no texto legal em vigor. Alguns diziam que a lei só trata de direitos, quando é elementar que não existem direitos sem os seus respectivos deveres, outros chegavam a afirmar que a lei só se destinava a meninos de rua e favelados, como se pudessem pessoalizar os destinatários de uma legislação com essa magnitude. Ainda hoje os representes desses reacionários teóricos labutam por sua modificação e o principal segmento é representado pelos que pretendem reduzir idade para a responsabilidade penal. Esses artigos foram então publicados no primeiro livro e serve de testemunho dessas primeiras batalhas pela garantia e manutenção dessa lei cidadã. Posteriormente foi editado um livro para deixar documentados todos os projetos e programas desenvolvidos no período de 1995 a 2004, quando estive à frente da então Primeira Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, cuja observação fiscalizatória do Comissário Especial das Nações Unidas Dr. Juan Petit apontou: “... a 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro como exemplo a ser destacado em iniciativas proativas para levar justiça a comunidades marginalizadas. O projeto Justiça nas Comunidades leva uma vez por mês a equipe da 1ª VIJ para passar um dia numa comunidade carente. A equipe porta o equipamento básico e assiste cerca de 2000 pessoas fornecendo documentos fundamentais como certidões de nascimento, carteiras de identidade e carteiras de trabalho. Durante um dia na comunidade, a 1ª VIJ expede tantas certidões de nascimento quantas normalmente expedidas em duas semanas de atividade normal. Isso mostra a importância de tornar a justiça fisicamente acessível às comunidades marginalizadas.” Testemunhou e atestou ainda o Ilustre Comissário Juan Petit: “Uma vez por semana crianças de rua são convidadas para almoçar com o juiz. Em acréscimo às refeições, são entregues às crianças kits de higiene pessoal e um cartão de identificação; às vezes, é o único documento que elas possuem. Atenção especial tem sido dedicada a tornar a 1ª VIJ um espaço próprio à personalidade infantil. Crianças vítimas de crimes sexuais são atendidas com bonecos anatômicos, os quais ajudam a demonstrar o abuso sofrido de modo a não revitimizá-las.” E concluiu o ilustre Comissário das Nações Unidas: “O Judiciário, incluindo seus altos Tribunais, deveria lançar-se num debate sobre sua reforma apoiado na perspectiva dos direitos da criança e do adolescente. O juiz deveria ter um ativo papel social na proteção dos direitos da criança e do adolescente e ser parte da rede de proteção de sua comunidade. Exemplos de iniciativas proativas para distribuir justiça social para as comunidades marginalizadas tais como as implementadas pela 1ª VIJ deveriam ser conhecidas e copiadas como parte dos esforços para a reforma do Judiciário”. Pois essas experiências tão elogiadas pelo olhar sensível do Dr. Juan Petit, estão descritas no meu segundo livro sob o título “Tudo que você precisa saber: Justiça da Infância e da Juventude”, editado em 2004. Mas não foi apenas o Comissário que viu e reconheceu o valor desses projetos, as diversas administrações do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passaram a implantar os mesmos programas com os mesmos ou outros nomes, e assim surgiram a Justiça Itinerante, Pais Trabalhando, Escola de Família, Cidadania nas Escolas, Reciclagem de lixo, Justiça em ação, Justiça Cidadã, Justiça pelos jovens que hoje dão ao Tribunal de Justiça uma face mais humana e comprometida com a promoção da cidadania em nossa sociedade. Em 2006 editamos ainda com mais dez outros autores o livro “Direito da Infância, Da Juventude e do Envelhecimento” para finalmente, dedicarmos nessa próxima obra um olhar sobre temas variados com predominância para o direito da criança e do adolescente, hoje bem mais aceito, embora ainda tendo muito o que caminhar para que respeitando as crianças possamos ajudar a construir uma sociedade mais justa e fraterna. Contudo também nos debruçaremos sobre crônicas com temas variados sempre buscando uma participação proativa de um magistrado que assumiu o compromisso com a causa da criança, mas que tem outros amores que passam pela família, pelo Flamengo, a Mangueira e muito especialmente a Cidade do Rio de Janeiro, que vejo como maravilhosa desde o momento em que generosamente me recebeu. * Siro Darlan é presidente do CEDCA e membro da Associação Juízes para a Democracia.
fonte: http://www.avozdocidadao.com.br/detailArtigo.asp?ID=354&SM=6&pagina=
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